As Ficções do Arquivo
A literatura contemporânea tem mobilizado com intensidade crescente arquivos — históricos, pessoais, institucionais, imaginários — como instância de criação e conflito. O dossiê “As Ficções do Arquivo” convida artigos que investiguem o modo como textos literários de diferentes gêneros e contextos culturais incorporam, disputam ou reinventam materiais arquivísticos, abrindo espaço para o questionamento das formas hegemônicas de narrar o passado, apropriando-se delas, subvertendo-as, questionando-as e as desafiando como um modus operandi de se pensar o ser no mundo e sua representação.
Desde o reconhecimento do conteúdo narrativo da historiografia (White, 1973, 1987), passando por intervenções da “metaficção historiográfica” pós-moderna (Hutcheon, 1988, 1989) às “fabulações críticas” que reimaginam vidas silenciadas pelos arquivos coloniais (Hartman, 2008, 2019), este dossiê busca acolher trabalhos que pensem a literatura como uma prática crítica e dinâmica de produção e contestação do arquivo. Em diálogo com tais debates, interessa-nos também destacar abordagens que levem em conta os apagamentos e violências estruturais presentes na constituição desses materiais — especialmente em contextos diaspóricos, pós-coloniais e migratórios.
Dos reposicionamentos de personagens históricas e literárias, como em Vulgo Grace (1996) e A Odisseia de Penélope (2005), de Margaret Atwood, a reflexões no âmbito da reinscrição do sujeito negro na história, a exemplo de Cambridge (1991) e The Atlantic Sound (2000) de Caryl Philips, este número da Revista Jangada busca contemplar investigações que articulem lacunas, silêncios e vozes fragmentadas dos registros históricos em narrativas ficcionais de alta densidade ética, estética e política.
O dossiê acolherá contribuições que abordem temas como:
- Ficções construídas a partir de documentos, cartas, diários, autos judiciais, fotografias, entre outros registros;
- Reescritura de episódios históricos a partir de perspectivas decoloniais, marginalizadas e subalternas;
- O arquivo como performance, invenção e artifício literário;
- Relações entre memória, história e ficção;
- Arquivos coloniais e disputas narrativas;
- Escritas de si e autobiografias tensionadas por materiais arquivísticos;
- Reconstruções de passados fragmentados no âmbito das Literaturas diaspóricas.
São bem-vindos artigos inéditos, em português, espanhol ou inglês, que adotem abordagens interdisciplinares e promovam o diálogo entre literatura, história, gênero, estudos culturais, pós-colonialismo, estudos decoloniais, da memória e dos arquivos.
As submissões devem ser feitas por meio da plataforma da revista até 30/04/2026, conforme as normas editoriais disponíveis em https://www.revistajangada.ufv.br/Jangada/about/submissions
Referências
CARDINA, Miguel. O Atrito da Memória: Colonialismo, Guerra e Descolonização no Portugal Contemporâneo. 1. ed. Lisboa: Tinta‑da‑China, 2023.
WHITE, Hayden. Metahistory: The Historical Imagination in Nineteenth-Century Europe. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1973.
WHITE, Hayden. The Content of the Form: Narrative Discourse and Historical Representation. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1987.
HARTMAN, Saidiya. Venus in Two Acts. Small Axe, n. 26, p. 1-14, 2008.
HARTMAN, Saidiya. Wayward Lives, Beautiful Experiments: Intimate Histories of Social Upheaval. New York: W. W. Norton & Company, 2019.
HUTCHEON, Linda. The Poetics of Postmodernism: History, Theory, Fiction. New York: Routledge, 1988.
HUTCHEON, Linda. The Politics of Postmodernism. London: Routledge, 1989.
VECCHI, Roberto. Fantasmagorias do Retorno: Portugal e a nostalgia colonial. Lisboa: Edições Afrontamento, 2025.